segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Mais uma vez, Tempestade

Uma gota de lágrima, poderíamos descascá-la como cebola e ver o que havia em seu núcleo se tivéssemos um cadinho de tempo para olhar com os olhos cheios de água aquela outra que levitava diante de nós. Sobre as nossas mãos planava, emanava brilho de reluzir, foi chorada por não sei quem, em não sei quando. A lágrima recusava maiores explicações. Do corpo daquele que a tinha nas mãos as costas e a cabeça arqueavam-se como se ele mesmo fosse uma gota e transpirasse um lamento forte, retumbante, que fazia coro à voz do coração ao estrondo cordial da chuva que vêm para lavar e lavrar a terra, bruta mas esperada.

Um trovão rasgava o céu procurando tonto a direção do solo, se ramificava em faíscas gigantes e tão breves, que eram invisíveis. Achamos o raio com a vista quando ele encontrou o solo, a carga elétrica ía e voltava através dele, um cordão amarelo entre o céu e a terra. Similar às raízes de uma árvore, íam atrás de onde havia abundância de um algo que lhe era necessário, seja carga elétrica negativa ou água.

As nuvens eram postas à luta uma adiante da outra com a mesma disposição dos tumultuosos ventos indecisos sobre o seu destino. Alguns queriam retornar ao mar, outros abraçá-lo como quem não vê alguém íntimo há tanto tempo. As nuvens passivas esperavam pelo seu destino e se transformavam. Viravam suor de esforços indecisos, ambivalentes em sua direção, anulavam-se e imóveis ficavam. Contudo a água suada escorria ao solo.

Um pirilampo, uma faísca, um vagalume, um raio estático, descia segurando as gotas em uma corda, fazendo-a vibrar como se fosse ele uma pessoa em um cipó, e almejasse impulsionar-se até aquela nuvem negra densa que'manava luz forte. Estática acontecia lá dentro. O pequeno adentrou e um grande trovão precedeu a sua queda na terra. Catorze formigas alteraram o seu curso ao perceber em suas antenas o cheiro de queimado envolto pelo musgo corriqueiro, seria como dizer que algo teria cheiro de queimado envolto do cheiro de ar. Saíam fagulhas elétricas que se esticavam do tamanho do braço do pirilampo, da faísca, do raio estático, o vagalume. Eram pequenas, e o veríamos como uma esfera amarela com um pouco de negro ao centro. Era capaz de voar. E suas fagulhas tostavam musgo e árvore no contato curioso do ser vindo dos céus a descobrir as maneiras da terra.

As árvores movimentavam as folhas para longe e anunciavam com suas raízes, vibrando, de que um pirilampo, uma faísca, o vagalume, o raio estático, estava na terra, e pedia-se pra avisar às capivaras que entrassem no rio e falassem logo alguém que pudesse resolver isso. Não podia ser peixe porque não tinha a mesma língua das pessoas, não podia ser inseto porque não podia ser tão vulnerável à faísca caso se encontrasse com ela.

Uma capivara que dormia similar à hibernação para afastar-se do terror da tempestade foi acordada por algumas formigas vermelhas picarem-lhe os ouvidos. A capivara sabe que ou invadiu o território ocupado por essas formigas ou alguma transgressão natural aconteceu, pois as formigas não fazem ações gratuitas assim. Estava neste território há algum tempo, mas não conseguiu perceber que havia um desígnio naquele chamado à meia noite, à grande tempestade que estava, e anunciou dormir mais uma vez. As formigas lhe acordaram mais uma vez. Em fúria, foi jogar-se no lago mais perto para afogar as importunadoras para voltar a seu sono.

As minhocas haviam percebido que as raízes se mexiam em rapidez inigualável, tal maneira que nunca vira assim em sua esparsa vida. Quis ousar refletir e parar um pouco para entender o que estava acontecendo, como se os micróbios que estavam em suas entranhas pudessem saber no fundo no fundo, o que se tratava aquele rebuliço não dito. O que o seu corpo fez foi tremer em igualdade, e a minhoca transtornada ousou invadir o túnel mais próximo, o ninho das formigas vermelhas. E lá quis se acomodar até que seu corpo parasse de tremer, ali no pátio central.

A formiga maior de todas fez alguns movimentos e assim uma tropa saiu de seu lugar, algo estava acontecendo e elas sabiam o que fazer. Marchavam aos pares em fileiras, rumo floresta adentro. Os fungos disparavam com sua raiz fragâncias leves, mas que revelavam o caminho por onde as formigas haviam de ir.

As gotas de água das folhas e dos fungos, refletiam a densa luz branca da lua cheia, revelada por detrás das nuvens escuras. O cheiro de umidade e de chuva no ar era interdito pelo vento, que carregava tais camadas de água fazendo vozes através da floresta, que se as pessoas pudessem ouvir, nada entenderiam. Contudo algo viria à sua imaginação, poderia ser uma canção:  

em tempo'scasso

não um atraso
se não vida morre 

em tempo'scasso
não um atraso
se não vida morre 

Tombava nas árvores, se repartia nos galhos, ousava exaurir qualquer partícula que fosse para ir logo, ele mesmo, o vento, àquele lugar onde o pirilampo, o vagalume, o raio estático, a faísca estavam. Apressava-se com urgência e derrubava árvore ou pedra que se sustentassem contra sua pressa. As pedras mais antigas e por isso resistentes, sentiam que na velocidade do amigo residia uma preocupação descomunal, como se estivesse em falta com alguma coisa que deveria estar preparada e não o estava. Em sacrifício ao amigo, desagarravam-se de seus grãos de terra e pó pregados mais recentes, e deixavam que o amigo levasse a pedra que conseguisse escorrer, afim de que facilitasse o seu movimento. E o vento ía e corria.

As bactérias carregadas pela poeira estavam um pouco tontas, haviam acabado de despertar com a abundância da água e iriam procurar as suas semelhantes para compartilhar tal alegria e dar continuidade a sua vida quando se aperceberam no meio de pisadas de formigas obstinadas e ventos fortes. E lá foram elas levadas ao acaso para lugares aos quais estavam preparadas para ir, porém desconsoladas por não terem podido entrar novamente em contato com aquelas que tanto trocaram informações. Era a hora de achar uma nova morada e novos conhecidos. E lá foram, em meio ao rebuliço, aguardando o que lhes aguardava indo carregadas em sua direção desconhecida.